Em 11 de outubro de 2024, completam-se 116 anos do nascimento de Angenor de Oliveira, o Cartola, um dos maiores ícones da música brasileira e do samba. Seu nome ressoa como sinônimo de lirismo, sofisticação e resistência cultural, atravessando gerações como um símbolo da potência poética e musical das camadas populares do Brasil. Cartola não foi apenas um compositor extraordinário; ele moldou as fundações do samba e, por extensão, da própria identidade musical brasileira no século XX.
Nascido no Catete e criado em Laranjeiras e no Morro da Mangueira, Cartola viveu na pele a realidade dos morros cariocas, ambiente onde a luta pela sobrevivência cotidiana e a discriminação racial e social eram constantes. Foi nesse contexto que o samba emergiu como a expressão legítima e visceral de um povo que, mesmo marginalizado, encontrou na música um canal de expressão de suas alegrias, dores e esperanças. Cartola, mais do que um observador desse processo, foi um dos arquitetos dessa forma de arte, contribuindo decisivamente para sua estruturação tanto no plano musical quanto simbólico.
Aos 20 anos, em 1928, ele cofundou a Estação Primeira de Mangueira, uma escola de samba que se tornaria uma das mais emblemáticas do carnaval carioca. Se hoje Mangueira é um dos maiores redutos de resistência cultural afro-brasileira, muito disso se deve à visão e à ação de Cartola. Ele trouxe ao samba uma dignidade que antes era negada pelas elites culturais, que viam o gênero como uma manifestação menor, associada ao crime e à desordem. Ao lado de Carlos Cachaça e outros sambistas, Cartola ajudou a elevar o samba à categoria de arte refinada, comparável ao que de melhor se fazia no Brasil e no mundo.
O legado de Cartola transcende sua própria vida. Sua obra ajudou a criar um paradigma de samba que influencia até hoje grandes nomes da música brasileira, como Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, e muitos outros. Ao colocar a alma nas suas canções, ele fez com que o samba deixasse de ser visto como música marginalizada e ganhasse status de patrimônio cultural.
O Brasil contemporâneo, muitas vezes marcado por uma desconexão com sua própria história cultural, precisa urgentemente revisitar Cartola. Sua obra é um lembrete constante da potência criativa e intelectual do povo afro-brasileiro, que, apesar de tantas adversidades, produziu uma das músicas mais ricas e complexas do mundo. O samba de Cartola, com seu lirismo e sofisticação, é um espelho da alma brasileira, refletindo as contradições, as belezas e as tristezas de um país multifacetado.
Aos 116 anos de seu nascimento, Cartola continua sendo um farol. Sua música, marcada pela tristeza e pela alegria, pela luta e pela celebração, nos ensina que, mesmo nos momentos mais difíceis, há beleza a ser encontrada. O mundo pode ser um moinho, mas, nas mãos de Cartola, ele girou sempre ao som de uma melodia que transcende o tempo e a dor, transformando-se em eternidade.